ENDOSCOPIA DIGESTIVA: Do “CIRCOS” ao “CHIP.”
Decorria o ano de 1868, o circo era sinônimo de lazer e cultura.Apresentava-se na Alemanha, como principal atração daquela noite, o famoso “engolidor de espadas”.Atento na platéia, em companhia dos seus filhos, o Dr.Kusmaul teve uma idéia brilhante: após o espectáculo dirigiu-se aos camarins e convidou o artista a repetir aquele feito memorável em seu consultório, deglutindo nessa ocasião um tubo com diminuta lâmpada em sua extremidade. Sem prever o alcance daquele ato para o futuro da humanidade, o cientista entrava para os anais da medicina, realizando ali a primeira endoscopia gástrica”in vivo” da história.
Esse método tem se modernizado consideravelmente, sobretudo no final do milênio, em consequência do avanço tecnológico que inclui a diminuição do calibre dos instrumentos, sobretudo a utilização da fibra óptica e a seguir o “chip”, nos conduzindo a imagem de maior resolução, além da criação de novos acessórios endoscópicos que possibilitam atingirmos quase todo o tubo digestório, realizando verdadeiras cirurgias sem cortes aparentes.
A endoscopia alta nunca foi dolorosa, é raramente incômoda, considerando que alguns a ela se submetem sem sedação por opção própria, embora o uso de medicamentos cada vez mais eficientes, aliados à monitoração, nos permita uma “anestesia” cada vez mais segura.Com o decorrer do tempo, portanto, a endoscopia deixou de ser inicialmente experimental, passou a diagnosticar, evoluindo a preventiva e finalmente terapêutica, através da cirurgia endoscópica, delimitando a gastroenterologia em duas eras distintas: pré e pós-endoscopia.
Alguns exemplos de sua eficácia incluem prevenção (retirada de pólipos),detecção
( biópsias) e retiradas de câncer quando precoce em estômago -segundo em incidência geral, ou coloretais – o quarto mais freqüente.Indivíduos a partir de certa idade, sobretudo se portadores de algumas doenças locais ou que apresentam antecedente familiar, devem se submeter periodicamente à pesquisa de tumores em fase inicial quando a cura atinge a totalidade e descobrir lesões pré-malignas.Mesmo nos casos mais avançados ,em caráter paliativo, a endoscopia também se apresenta como uma alternativa ao médico oncologista, oferecendo uma melhor qualidade de vida ao paciente mediante cauterização e colocação de endopróteses.
Quanto à abordagem das vias biliares e pancreáticas, esse método possibilita avaliação e tratamento da pancreatite crônica e retirada de cálculos. Nas doenças denominadas ácido-pépticas (esofagites, gastrites e úlceras) nos permite o diagnóstico, pesquisar possíveis agentes causais relacionados (hérnia hiatal,H.pylori entre outras), resultados do tratamento aplicado e até a contenção de suas eventuais complicações: hemorrágicas ou de estreitamento do canal que impeçam a digestão dos alimentos.
Temos auxiliado os regimes de emagrecimento dos obesos, acompanhando a cirurgia bariátrica, através da colocação do “balão gástrico” temporário, indicados após avaliação criteriosa.
Pacientes com demência senil, neurológicas ou com seqüela graves impedidos de alimentar-se satisfatoriamente são submetidos à gastrostomia endoscópica, evitando-se portanto a antiga conduta cirúrgica de alto risco, se considerarmos a presença de doenças associadas, tão comuns nesse perfil de clientes.
Vale ressaltar que embora tenhamos abordado tantas moléstias, algumas graves, a maioria dos pacientes que chegam aos nossos consultórios apresenta sintomas apenas funcionais, alguns denominados psicossomáticos, resultantes portanto das tensões emocionais do dia-a-dia:competitividade no trabalho, conflitos nas relações pessoais, ”status” econômico-financeiro, entre outros.Aliás, situações essas que embora consideradas modernas já despertavam o filósofo Platão, lá pelos idos do ano 500 AC que escreveu: “Nós ingerimos nossos conflitos e digerimos nossas emoções”.Recomenda-se entretanto que apenas o seu médico ao ser visitado periodicamente estará apto a concluir tal diagnóstico após rigorosa avaliação e, quando necessário, solicitar os exames complementares objetivos, entre os quais se destaca a endoscopia, sob pena de subestimar sintomas e sinais de alerta oriundos de patologias potencialmente catastróficas, cujo retardo na sua descoberta ou uso de tratamentos alternativos comprometerá definitivamente o seu tratamento e conseqüente piora do prognóstico, com evolução severa e as vezes fatal.
Em resumo, poderia definir a endoscopia digestiva atual como: ”A arte na ciência médica capaz de diagnosticar e tratar doenças que embora suspeitadas permanecem invisíveis aos nosso olhos e não palpáveis pelas mãos mais hábeis”. E o espectáculo continua.