REFLEXÕES DE UM MÉDICO PACIENTE

28 de agosto de 2015

“A ENDOSCOPIA TRANSFORMA:
A HIPÓTESE EM REALIDADE,
A DÚVIDA EM CERTEZA,
A SUPOSIÇÃO EM VERDADE. ”

Para a alegria da cura é indispensável a curiosidade do diagnóstico.
O diagnóstico correto facilita a cura por ser mais precoce no tempo e mais correto no espaço.
Coroação da longa viagem da Ciência para satisfazer a curiosidade do diagnóstico foi levar para dentro do corpo do paciente, no âmago de suas vísceras, tudo aquilo que pudesse através dos órgãos do sentido chegar “à mente de quem julga por que viu”.
Acontece como se num lance de mágica , o observador se integrasse ao interior do órgão e lá dentro olhasse para tudo que o rodeia. Levar o olho, com sua retina, seu nervo óptico, o seu centro nervoso que elabora imagem ao córtex que dá o consentimento, e mais do que isso, o seu julgamento que é apoiado na experiência cultural acumulada. Esta pretensa transposição é permitida pela ENDOSCOPIA.
A endoscopia desfaz as dúvidas e elimina os erros.
Quando a endoscopia transpõe o portal do organismo, o de sua escolha e entra em território das cavidades, é como se tornasse um pássaro esguio que recolhe as asas para se acomodar dentro de um tubo. Só que um tubo vivo e sensível. Começa a investigar tudo que encontra ao redor de si mesmo.
Se escolher o digestivo superior, entra pelo portal da orofaringe, reconhecendo a estrutura, o revestimento do túnel, iluminando e assinalando as possíveis tortuosidades que não as esquinas do seu prévio conhecimento.
Quem olha vê muito mais do que imagina.Esta é a grande diferença entre a semiótica convencional, mesmo que seja através da imagem indireta de quem olha com seu próprio olho, transportado pela fibra até junto do ”dragão da maldade”- o esôfago da azia.
Se vai mais além (como diria Manuel Antônio de Almeida, médico e patrono da Academia Nacional de Médicos Escritores) a saída como uma porta que mais parece abertura de diafragma de câmara fotográfica, que seria chamada pelos seguidores de Vesalius ”a cárdia”- chega ao grande salão dos banquetes, o estômago, onde são representadas importantes decisões da vida quando íntegro, e grandes tragédias gregas quando se torna o palco de soturnos acontecimentos no estado antinatural, a doença- às vezes grave.
O endoscopista analisa tudo e medita, o teto curvo e pequeno, o soalho com declive e aclive, a circunvoluções “cerebrais” em ondas peristálticas de maré enchente, inquietas, as complacentes paredes laterais. Abre-se e atravessa o anel do estômago que estava cerrado. Finalmente assiste como na estalactite das cavernas, o eterno pingar do teto dos doze dedos duodenais por uma “rotulinha”- a bile verde, ou o esgotamento da fonte- a seca impiedosa.
Podemos afirmar que a ENDOSCOPIA é o superlativo de qualidade da indagação semiológica.Falo como médico e como cliente que recebeu um dia laudo conclusivo tranqüilizador: “Gastrite Endoscópica Enantematosa de Grau Leve”. Só isso.

Postado em crônicas por Arnaldo Motta